quinta-feira, dezembro 31, 2009

Diários de um Fantasma



Quando eu morri, no caminho para a sepultura, disseram para mim que minha vida, como um fantasma, seria maravilhosa, compensando a miséria que encontrei antes de morrer: “você dormirá o dia inteiro em sua confortável sepultura, onde poderá se mexer à vontade. Você estará livre da multidão, do trânsito e da miséria diária. Acordará no meio da noite e andará livremente em sua cidade, sem ser parado por alguém para pedir seu documento. Poderá atravessar a rua quando quiser, sem correr o risco de ser atropelado. Poderá infringir todas as leis e viajar para qualquer país sem visto. Não ficará com fome nem sede, tampouco sentirá frio ou calor. Ninguém o matará, pois já está morto. Se quiser, e isto é o que mais importa, poderá se vingar, finalmente, de seus inimigos. Sua aparição atormentará aqueles que roubaram seu dinheiro e mataram seus filhos. Você se divertirá perturbando-os de seu jeito e transformando as noites deles num verdadeiro inferno. Você entrará nas casas deles, quando quiser. Poderá assustar os filhos deles, fazendo-os molharem as camas. Será o mestre. Verá todos se ajoelharem como cachorros ou correrem para um psiquiatra sem contar a ninguém que eles viram um fantasma, para que não sejam considerados loucos. Todas as receitas que lhes derem e todos os remédios que tomarem não farão efeito. Satisfeito com seu poder, você voltará para sua sepultura antes do amanhecer, cantando sua música predileta e planejando a noite seguinte”.


Faz anos que estou vagando pelas ruas de minha cidade todas as noites. Ninguém olha para mim. Ninguém me teme, nem mesmo as crianças. A riqueza daqueles que me mataram multiplicou-se, e suas barrigas cresceram. Às vezes, eu me perco em suas grandes mansões, mas, geralmente, eu os vejo celebrando ao redor de suas mesas cheias de comida durante noites de muitas risadas. Eles não se preocupam quando eu entro ou quando eu fico por lá. Eu paro perto de suas camas e grito, com toda minha força, em seus ouvidos, mas não escuto nada além de seus roncos barulhentos, cada vez mais fortes. Somente seus cachorros me cumprimentam, às vezes, latindo ou abanando os rabos quando eu saio, durante as madrugadas, frustrado devido a meu fracasso.


A sepultura é bem menor do que eu imaginava. Eu não durmo há mais de um ano. Meu vizinho me aconselhou consultar um psiquiatra. Ele me disse que muita gente sofre nos primeiros anos. Depois, aceitam a realidade e o fato de que nós fomos enganados duas vezes. Amanhã, irei ao médico.


Sinan Antoon / Agosto de 2009

Tradução direta do árabe: Khalid Tailche

Revisão Literária:

Dra. Glauce Rocha