segunda-feira, janeiro 19, 2009

Bader Shaker Al-Sayyab


A Canção da Chuva

Seus olhos são dois bosques de palmeiras na aurora ou duas varandas de onde a lua se afasta.
Quando seus olhos sorriem, as folhas de uva brotam
e as luzes dançam como as estrelas
num rio encrespado pelo remo no despertar da aurora,
brilhando nas profundidades dos seus olhos
e se afogando em tristeza e ternura,

como o mar dominado pelas mãos da noite,
com seu calor de inverno, tremor de outono ,
a morte, o nascimento, e as trevas
e a luz desperta dentro da minha alma o tremor do pranto
é um êxtase selvagem que abraça o céu
como o delírio de uma criança que teme a lua!

Como se o arco-íris fosse bebendo as nuvens
e gota a gota as vertessem em água da chuva O riso dos meninos gorjeia nas parreiras
e quebra o silêncio dos pássaros nas árvores
A canção da chuva

Chuva...
Chuva...
Chuva...

A tarde bocejou e as nuvens ainda
derramam suas lágrimas pesadas.

Como um menino
a balbuciar antes de dormir, querendo sua mãe
Há um ano, quando acordou, não a encontrou e insistiu
Diziam-lhe:
“voltará depois de amanhã,
Sem falta voltará”
e sussurrará aos amigos que ela está lá
ao pé da colina dorme
num sonho eterno
servindo-se da terra e água da chuva,
como um pescador tristonho a recolher a rede
amaldiçoando as águas e o destino,
espalhando o canto onde se eclipsa a lua

Chuva...
Chuva...

Você sabe que tristeza provoca a chuva?
e como as calhas soluçam quando ela cai?
e como faz o solitário se sentir perdido?
Sem fim, como o sangue vertido, como os famintos,
como o amor, como os meninos, como os mortos...
Isto é a chuva!

Suas pupilas me levam com a chuva,
e através das ondas do golfo, os relâmpagos banham
a costa do Iraque com estrelas e conchas,
querendo nascer como o sol,
mas vem a noite e os cobrem com um manto de sangue.

Grito ao golfo : “ Oh! golfo,
Oh doador das pérolas, de conchas e ruínas!”
E me volta o eco
como um soluço
“Oh! golfo
Oh doador das pérolas, de conchas e ruínas ..!”

Quase ouço o Iraque guardando os trovões
armazenando os relâmpagos nas planícies e nas montanhas,
e quando se afastam, os homens acabam com o resto.
O vento de Thumod não deixou
qualquer vestígio no vale.

Quase posso escutar as palmeiras bebendo a chuva,
as aldeias gemem,
e os imigrantes lutam com os remos
e as velas, os temporais do golfo e os trovões, cantando:


Chuva...
Chuva...
Chuva...

No Iraque há medo e fome
Os grãos são espalhados na época da colheita
para satisfazer os corvos e os gafanhotos,
esmagando os celeiros e as pedras
uma moenda que gira nos campos... e ao redor dela, homens

Chuva...
Chuva...
Chuva...

Quantas lágrimas derramamos na noite da partida
E percebemos com medo
Que seriamos acusados de provocar a chuva.

Chuva...
Chuva...

Desde que éramos pequenos, o céu
se cobria com as nuvens no inverno
e caíam os cântaros da chuva,
e a cada ano, quando a terra se cobria de ervas,
sentíamos fome,
nunca passou um ano que o Iraque estivesse sem fome,

Chuva...
Chuva...
Chuva...

E em cada gota de chuva
vermelha ou amarela da cor das rosas,
cada lágrima dos famintos e dos nus
e cada gota derramada de sangue dos escravos
é um sorriso que espera uma nova boca
ou um mamilo que floresce na boca do recém nascido
no jovem mundo do amanhã, o doador da vida!

Chuva...
Chuva...
Chuva...

o Iraque será coberto de ervas com a chuva...

Grito ao golfo : “ Oh! golfo,
Oh! doador das pérolas, de conchas e ruínas!”
e me volta o eco
como um soluço
“Oh! golfo
Oh! doador de pérolas, de conchas e ruínas!”

O golfo espalha seus grandes tesouros
sobre as areias: espuma de sal, e as conchas,
e os restos de um miserável afogado
do imigrante que bebeu a morte
do fundo das águas do golfo,
quando no Iraque há mil víboras que bebem o néctar
de uma flor que o Eufrates alimenta com orvalho.
Ouço o eco
Que se repete no golfo

“Chuva...
Chuva...
Chuva...”

Em cada gota de chuva
vermelha ou amarela da cor das rosas,
cada lágrima dos famintos e dos nus
e cada gota derramada de sangue dos escravos
é um sorriso que espera uma nova boca
ou um mamilo que floresce na boca do recém nascido
no jovem mundo do amanhã, o doador da vida

E caem os cântaros da chuva.
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Traducão: Khalid Tailche

Fonte
المصدر : عن ديوانه " أنشودة المطر " ، ضمن مجموعته الكاملة المجلد الأول ص 474 . دار العودة - بيروت - 1997
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BADER SHAKER Al-SAYYAB (1925-1964)

O poeta Bader Shaker Al-Sayyab nasceu na cidade de Jecor localizada no sudeste da cidade de Basrah no sul do Iraque, em 25 de dezembro de 1925. Ele nasceu numa família sossegada que tinha fazendas de palmeiras por muitos anos no sul do Iraque. Ele teve uma infância feliz, mas sua felicidade terminou com o falecimento da sua mãe dando a luz em 1932 quando ela tinha vinte três anos de idade.

Al-Sayyab estudou numa escola primaria de meninos na cidade de Abu El-Khassib. Desde cedo ele começou escrever poesia o que chamou a atenção dos seus professores que o apoiavam para que escrevesse em árabe padrão.
Ele terminou seu estudo secundário na cidade de Bagdá em 1943 e começou a estudou no instituo superior dos professores ( Faculdade de Educação) em qual ele estudo por quatro anos e escreveu seus pomas cheios de saudade. Uma das suas colegas na época era a bem conhecida poeta iraquiana Nazik Al-Malaaika.

Foi preso e desligado da faculdade em 1946 por suas atividades políticas. Depois de pouco tempo foi libertado, mas foi preso de novo em 1948 e 1949, quando perdeu seu trabalho e acabou sendo proibido de dar aula por 10 anos. Passou dias difíceis de pobreza e humilhação. Em1952, por causa da situação política perturbada, fugiu escondido para o Irã e depois para o Kuwait onde ele teve uma vida de refugiado.

Al-Sayyab voltou para Bagdá muitos meses depois onde ele encontrou com seu velhos amigos. No ano de 1954 ele publicou seu poema ( Inshudat Al-Matar) ou A Canção da Chuva numa revista chamada ( Al-Adab ). Depois do seu casamento em 1955 ele começou trabalhar com tradução de poesia inglesa para o árabe. No 1957 ele começou escrever para a respeitada revista libanesa (Poesia) ao lado dos pioneiros da poesia moderna árabe como Adonis, Anis Al-Haag e Jabra Ibrahim Jabra.

Quando a monarquia acabou em 1958, e com a libertação dos prisioneiros políticos, Al-Sayyab sentiu que seu sonho foi realizado, mas rapidamente a disputa interna que tomou conta da sociedade acabou o prejudicando, e então foi demitido de seu trabalho em 1959 quando começou uma nova faze difícil da sua vida. Em 1961 foi preso e libertado no mesmo mês e mesmo voltando ao seu trabalho, sua saúde começou a deteriorar até que foi internado em 1961.

Assim começou sua longa viagem com a doença. Ganhou uma bolsa para Inglaterra, Universidade de Durham, para obter seu doutorado e tratar sua doença, mas sua saúde deteriorou e resolveu voltar para Londres, onde foi internado. No seu caminho de volta passou pelo Paris onde teve outros exames sem resultados positivos, ele acabou voltando para o Iraque e depois para o Kuwait onde ele faleceu por a complicações das doenças em 24 de Dezembro de 1964.