terça-feira, junho 16, 2009

Resenha



Souvenir Iraquiano, Robinson dos Santos. Blumenau: Editora Cultura em Movimento, 2005, 239 páginas.

A terra chamada hoje de Iraque é um país milenar que já foi o barco das civilizações mais antigas do mundo desde os sumérios, os babilônios e os assírios, até a chegada do islamismo no ano 637. O começo da construção de Bagdá, a nova capital do império árabe no ano 762, iniciou a época dourada da civilização árabe-islâmica. No Iraque moderno, muito dessa história é preservada em tesouros arqueológicos. Com a descoberta da enorme reserva do petróleo em 1927, aumentou ainda mais o interesse do mundo ocidental por esse país.
Em 1979, Saddam Hussein assumiu o cargo de Presidente do Iraque. Durante seu regime, o Iraque passou por três guerras. A primeira, que começou em 1980 e durou até 1988, foi entre o Iraque e o Irã. A segunda começou depois da invasão do Kuwait pelas forças armadas iraquianas em agosto de 1990, seguida dos combates para retirar as forças iraquianas do Kuwait pela coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos, iniciados em janeiro de 1991; com ela foram encerradas as obras das empresas brasileiras no Iraque. A terceira guerra contra o Iraque comecou com uma resposta aos ataques terroristas de 11 de setembro, sob a alegação de que o Iraque possuía armas de destruição em massa, que nunca foram achadas até hoje. Esta última resultou na queda do regime do Saddam e na dissolução do exército iraquiano.
Essas guerras tiveram sempre o foco no poder do Iraque como uma forte força militar na região, além do seu papel econômico tendo uma das maiores reservas mundiais de petróleo. Durante os anos setenta e oitenta, o Brasil chegou a importar entre 40% a 70% das suas necessidades de petróleo do Iraque. A indústria bélica era uma prioridade no Iraque e no Brasil, ainda debaixo da ditadura, que também participava da máquina da guerra iraquiana. A política da guerra acabou marginalizando a importância histórica e os tesouros arqueológicos que o país possui, exceto pela propaganda política do ex-regime que aproveitava isso como uma fonte de inspiração para o povo combater os inimigos.
Muitos sítios arqueológicos foram danificados, além de sofrerem a ação dos ladrões e dos contrabandistas internacionais que aproveitavam a confusão, apesar da punição severa contra aqueles que fossem capturados. Depois da invasão americana de 2003 e da queda de Bagdá, o país entrou num caos generalizado e até o Museu Nacional do Iraque, considerado um dos mais importantes do mundo, foi saqueado e muitas relíquias da antiga Mesopotâmia foram roubadas ou destruídas.
Logo no começo do novo gênero literário de espionagem, o Iraque e sua capital tiveram o seu papel em provocar a imaginação dos escritores. Um bom exemplo disso é Aventura em Bagdá (They Came to Bagdad), da Agatha Christie (1890-1976), um romance publicado em 1951. No Brasil, esse gênero tem um marco em 2005, com o lançamento do livro Souvenir Iraquiano pelo escritor e jornalista Robinson dos Santos.
A trama elabora uma mistura de ficção e acontecimentos reais, como o próprio escritor nos diz. O livro conseguiu provocar a curiosidade deste leitor durante os seus quinze capítulos, que formam uma contagem regressiva de dois dias antes do ataque americano da Operação Tempestade no Deserto para libertar o Kuwait (1991), a partir do sexto capítulo. O escritor foi cuidadoso na sua pesquisa de cinco anos para alinhar a ficção com os acontecimentos históricos mundiais.
Os três personagens principais são o brasileiro Luciano, que precisa de dinheiro para garantir o caro tratamento da sua filha doente no Brasil; Fahed, um ex-coronel iraquiano que se cansou de guerras durante o regime de Saddam, e decidiu ter uma vida nova junto com sua família longe de toda a confusão causada pelas guerras; e Wittmann, um espião da CIA que quer aproveitar sua posição para ganhar uma fortuna. O alvo é uma usina nuclear que já foi desativada no Iraque, onde eles procuram um tesouro de relíquias.
A história, baseada em fatos reais, leva o leitor para a época dos contratos milionários que as empresas brasileiras tiveram no Iraque nos anos 80, e que a guerra do Kuwait em 1991 marcou o fim. A história começa no Sul do Brasil, onde Luciano tenta dar um jeito de arrumar algum dinheiro em pouco tempo. Ele e mais dois homens, Luís Carlos e Hermes, planejam o sequestro de um milionário, sob o comando do velho e experiente Aurélio. O plano falha e os três ficam devendo a Aurélio 200 mil dólares.
Desesperados, Luciano e Hermes resolvem ir para o Iraque com a esperança de encontrar relíquias arqueológicas em Osirak, a usina nucelar abandonada, na qual Luciano tinha trabalhado em 1980. Ao chegar à usina eles descobrem que as relíquias foram levadas por um coronel da Guarda Republicana. Luciano acredita que pode ser seu antigo amigo iraquiano Fahed. Mas eles são presos antes pela Polícia Secreta.
Fahed, que tentava levar as duas toneladas de relíquias para fora do Iraque, já tinha encontrado com um agente da CIA na Turquia que queria sua parte. Fahed estava também sendo investigado pela Polícia Secreta Iraquiana e acabou preso no mesmo lugar onde os dois brasileiros estão.
Quando o ataque das forças de coalizão começa, o prédio onde os três estão presos é atingido e eles conseguem escapar. Conseguem levar o caminhão que carregava as relíquias para Turquia. Lá, o ex-agente da CIA, com o apoio de um helicóptero militar americano, a Polícia Nacional da Turquia, e os brasileiros junto com Fahad que querem entregar a mercadoria para o contrabandista, se enfrentam.
Juntar as informações sobre o Iraque e os acontecimentos daquela época não foi fácil, de acordo com o escritor. Ele tinha que depender dos relatórios dos brasileiros que viviam lá trabalhando nas empresas brasileiras ou dos seus filhos que moravam junto a eles lá. Isso acabou distorcendo algumas informações.
Em relação à língua falada no Iraque, o escritor menciona soldados e policiais iraquianos falando em farisi, ou persa, a língua oficial do Irã, e que era considerada a língua do inimigo durante a guerra entre os dois países. O normal seria falar a língua árabe no Iraque, pois ninguém naquela época gostaria de ser acusado de espionagem. E em outra parte, ao falar sobre a culinária iraquiana, ele menciona que eles "...comeram carne de ovelha, arroz e legumes crus". Na verdade, o que os iraquianos comem de cru é pepino, tomate, cebola e alface como salada.
Houve também algumas confusões em relação aos nomes, como no caso de Azize, que é um nome feminino; o masculino, como aparece no livro, deveria ser Aziz. E também o nome do amigo de Fahad, o Coronel Osman. Este nome não é um nome comum no Iraque. Porém, o mais provável é que o nome fosse Otham e não Osman.
No final do quarto capítulo, durante uma conversa entre os dois soldados iraquianos que guardavam o sítio de uma usina nucelar abandonada, é mencionada uma marca do relógio com pulseira de titânio como sendo um relógio caro, na tentativa dos dois brasileiros de subornar os dois soldados. Vale a pena lembrar que mesmo sendo abandonado, não seria algo tão fácil entrar num lugar como esse principalmente durante aquela época. O soldado dificilmente se arriscaria por um relógio.
Em relação às mulheres iraquianas, o autor escreve no segundo capítulo: "...qual seria a mulher que teria possibilidade de juntar dinheiro suficiente para adquirir um automóvel?" Isto não é muito exato, pois a mulher iraquiana sempre teve o direito de trabalhar como os homens e ganhar dinheiro para comprar e dirigir seu carro. Além disso, o carro que o Brasil exportava para o Iraque não era o Fox, mas o Passat da Volkswagen.
Finalmente, na penúltima página o escritor faz um comentário sobre o iraquiano Fahad, dizendo: "Afinal de contas, era ou não era quase turco?" Iraque e Turquia são países vizinhos, e apesar da confusão entre os dois países aqui no Brasil, o Iraque é um país árabe e fala a língua árabe, enquanto a Turquia não.
O esforço do escritor rendeu um trabalho inovador e importante. Ele conseguiu levar o leitor para uma época marcante, para uma parceria entre o Brasil e o Iraque na qual a repercussão foi além do que nós pensamos - dois países que viviam sob dois regimes militares, o que acabou decidindo o destino das riquezas e das vidas de muitas pessoas.
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